As estátuas também morrem: Bullfighter and the Lady de Budd Boetticher

Por Patrick Holzapfel.

Quem, com um ar melancólico e um charuto no canto cicatrizado da boca, adornado com roupas douradas cintilantes, dá algumas piruetas mortais para, em seguida, se ajoelhar de forma lasciva e triunfante diante de um touro desnorteado e tragicamente condenado nas areias empoeiradas de uma arena em êxtase, não é apenas o exemplar ideal de uma raça humana tão rica em anormalidades, mas também o perfeito registro de Budd Boetticher, disfarçado de ficção autobiográfica, sobre a dignidade do machismo. Essa dignidade, mostra o cineasta, é uma questão de estatuária masculina. Mais tarde, quando Boetticher, com a ajuda do diretor de fotografia Jack Draper, o qual se sente à vontade no clima mexicano (anos depois, Orson Welles iria visitá-lo para fracassar em Don Quixote), dispara fogos de artifício de close-ups de seus protagonistas, brilhando contra as nuvens esparsas e a solidão da arena, eles se tornam estátuas novamente, testemunhos fossilizados de uma masculinidade imóvel, perdida e, ainda assim, celebrada.

Seria fácil arrastar esse filme, radicalmente encurtado por John Ford a pedido do produtor John Wayne para seu lançamento original nos cinemas em 1951 (desde 1986 é possível ver o corte original do diretor, muito superior, que inclui uma sequência de tourada quase vanguardista, praticamente silenciosa, com minutos de duração em câmera lenta), pelos raladores de queijo de uma crítica que reconhece no protagonista Johnny Regan (Robert Stack), que vai ao México para se tornar um toureiro e amar uma mulher, o protofascista de todo o maligno imperialismo masculino. Com óculos escuros enormes e um comportamento de dominação americana, ele se pavoneia nas primeiras cenas, pegando o que quer. Mas então negaríamos ao filme, que se baseia nas próprias experiências de Boetticher no México, seu valor como documento, acreditaríamos que um filme não deveria querer mostrar o que é, mas apenas o que, na melhor das hipóteses, poderíamos imaginar.

O que se torna visível quando você entra nesse mundo reminiscente de Hemingway são as próprias estátuas que, como sabemos pelo menos desde Chris Marker e Alain Resnais ou a demolição de 1962 do Stalinův pomník em Praga, também morrerão. Sabemos que as estátuas raramente retratam o que realmente aconteceu, mas a imagem de uma estátua pode reconhecer por trás, ou melhor, em seu rosto, o que os escultores não conseguiram remover dos personagens. O que eles não puderam ou não quiseram manter em segredo. As estátuas não são projetadas para close-ups. É por isso que você precisa olhá-las de perto e Boetticher faz exatamente isso. As pupilas dançam sob seu olhar, a pele brilha, o suor escorre. Podemos então reconhecer a mortalidade dessas estátuas, as quais são seres humanos.

A dignidade que, para os toreros, reside na saída calma do ringue e no elegante impulso final com a espada contra o dorso do touro, é cumprida neste mundo, por um lado, na dança ritualizada com a ameaça de morte e, por outro, na morte real. Boetticher mostra a primeira nos gestos incessantemente repetitivos desses homens, que andam para cima e para baixo na sauna, agitando as mãos como se estivessem segurando uma muleta invisível. A segunda ocorre nos closes, nos quais se pode ver o esforço de toda essa dignidade, ou seja, a destruição. Aliás, isso se aplica a todos os participantes desses eventos absurdos. Os touros, bufando e correndo desesperadamente em círculos, as mulheres, que sempre antecipam o desastre, as crianças, cuja transfiguração romântica já está começando a executar os mesmos movimentos, os turistas, que apreciam o espetáculo, e os toreros, que transmitem leveza quando se trata do fim mais difícil.

Mesmo que você não goste: isso mostra como as pessoas são inventivas quando se trata de aceitar a morte como parte da vida, por mais horrível e sem sentido que ela seja. Elas são menos imaginativas quando se trata de tornar a morte menos cruel. É mais importante, como parecem dizer as fotografias de toreros empalados no momento de sua morte, que podem ser vistas uma vez no filme, morrer por princípios do que viver e amar pelo maior tempo possível. É considerado corajoso ir para a batalha e temeroso fugir, embora seja o contrário. No entanto, as estátuas não podem fugir. É sobre essa forma de pensar que se constroem as culturas dedicadas à guerra.

Com Boetticher, agora reconhecemos a tragédia completa dessa transfiguração. E também percebemos que é fácil se apaixonar por elas. Em Ovídio, a petrificação ainda era a pior punição possível que os deuses poderiam inventar. Para o homem orgulhoso, é a única maneira de sair de sua própria inanidade. Os Toreros não são diferentes dos outros, não podemos nos enganar. Boetticher aprecia de tal forma o triunfo de Johnny Regan, permitindo que o homem execute os mesmos movimentos aclamados, corte após corte, ao ponto de não conseguirmos deixar de pensar no pior castigo dos deuses, ou seja, aquele imposto a Sísifo. Se você não quiser morrer, terá que enganar a morte todos os dias. Todos os dias. Esse é o preço da eternidade. Esses homens sabem disso e a buscam mesmo assim.

Les statues meurent aussi: Bullfighter and the Lady von Budd Boetticher [1] foi originalmente publicado no blog Jugend ohne Film em 25 de novembro de 2023. Tradução: Ezequiel Antônio da Silva Stroisch.

Notas:

[1] O título original mantém os nomes dos dois filmes colocados em perspectiva na língua nativa dos países em que eles foram produzidos. A tradução optou por passar para o português a menção ao curta-metragem de Marker e Resnais, lançado em 1953.

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