Atrás do jornalismo cultural, com Andrey Lehnemann

Quando eu perguntei para Andrey Lehnemann se ainda há possibilidade de surgirem espaços dedicados ao jornalismo cultural na imprensa ele balançou a cabeça, antes de responder enfaticamente que não. O jornalista e crítico de cinema é o terceiro convidado desta série de entrevistas, a qual pretende consultar profissionais da área para refletir acerca da carência de coberturas culturais nos veículos de comunicação. A conversa que resultou neste texto ocorreu na última segunda-feira (14), no ARBOR Café, em Florianópolis.

Andrey Lehnemann ministrando oficina de análise fílmica em novembro de 2017. (Foto: Facebook)

Andrey foi o último que escreveu sobre cinema em uma coluna do Diário Catarinense, maior periódico de Santa Catarina. O trabalho desempenhado pelo crítico ao longo de sete anos chegou ao fim em setembro de 2017, quando o Grupo NSC – proprietário do jornal – decidiu cortar o caderno de cultura da publicação.

Formando em jornalismo no ano de 2012, Lehnemann conciliou o exercício de crítico de cinema com empregos em assessorias de comunicação, setor no qual permanece trabalhando até o momento. Além disso, atuou na produção executiva dos documentários RISCO 4 e O Incorrigível Muska. O jornalista ainda promove palestras e oficinas sobre análise fílmica e terror como gênero cinematográfico. Neste ano, aliás, realizou a curadoria do primeiro festival internacional de cinema fantástico em Florianópolis.

Andrey vivenciou o desaparecimento das colunas semanais de cultura no Diário Catarinense. A respeito desses cortes, os quais aconteceram em veículos de comunicação do mundo inteiro, ele considera a crise publicitária como uma das responsáveis por causar tais problemas. Isso porque, depois da popularização das mídias digitais, os recursos que a imprensa obtinha por meio de anunciantes foi perdido, uma vez que eles começaram a investir em publicidades na internet.

Aproveito o ensejo para perguntar se as mídias digitais podem oferecer um espaço promissor para uma espécie de retomada do jornalismo cultural. De maneira um tanto quanto irônica, Lehnemann concorda que as novas plataformas podem ocasionar esse renascimento, no entanto, ressalta que ainda haverá o problema da remuneração. “Quem tem retorno financeiro na internet são os influenciadores digitais, os quais não necessariamente são jornalistas”, advertiu o crítico, que atualmente está escrevendo – de graça – sobre cinema para a revista Versar do Grupo NSC.

Comportamento

Ainda a respeito do ambiente virtual, Andrey chamou atenção para o comportamento dos internautas diante dos perfis de pessoas ou entidades que eles escolhem seguir. O jornalista definiu como “república de papagaios” os internautas que apenas repetem o discurso dos influenciadores digitais e não questionam o conteúdo compartilhado. A propósito, para Lehnemann, um dos problemas do empobrecimento do jornalismo cultural está no fato das pessoas não gostarem de se sentirem ignorantes. É por causa disso que despontam conteúdos superficiais, os quais tem um único intuito: agradar o grande público.

Nessa perspectiva, para o crítico de cinema, as coberturas culturais se tornaram um simples “guia de consumo”. Ele explica que as pessoas não possuem mais tempo para ficar lendo notícias, logo, elas ficaram à mercê dos caracteres. Em seguida, complementa dizendo que para a lógica da atual imprensa, quanto mais curtas e sensacionalistas forem as matérias melhor. Andrey afirma que o mesmo aconteceu com o cinema: uma vez que os espectadores não gostam de se sentirem burros, os filmes viraram entretenimento puro.

“As pessoas não estão mais interessadas no confronto”, avaliou Lehnemann, referindo-se a relação passiva de internautas, leitores, espectadores, entre outros.

Futuro

Pergunto se o jornalista sente falta de escrever semanalmente sobre cinema em uma coluna. Eu tenho ciência que a resposta não poderia ser outra, mas ainda assim fiz o questionamento. Andrey respondeu que sim, lembrando que foram anos de muitas felicidades. Aproveito para indagar qual texto da coluna mais provocou o público. O crítico de cinema recorda da publicação de uma lista dos melhores filmes de terror dos últimos 15 anos, a qual gerou comentários do tipo: “ou não conhecemos nada de terror ou esse cara é um tremendo elitista”.

Com relação a possibilidade de construir um projeto próprio voltado ao jornalismo cultural, Lehnemann demonstrou interesse em começar, mas enfatizou que a classe jornalística atualmente está desunida. “Estamos cada vez mais desiludidos. É cada um por si. Falta colaboração”, lamentou.

Tendo em vista o pessimismo com relação ao futuro, peço que o jornalista destaque qual a importância da manutenção das colunas e do aperfeiçoamento das coberturas culturais nos veículos de comunicação. Para Andrey, essas práticas jornalísticas têm o poder de transformar e educar toda sociedade, pois constroem espaços que dão voz para pessoas, artistas e obras enriquecedoras. Nessa perspectiva, Lehnemann observa uma série de entrevista sobre mulheres na crítica de cinema como um dos trabalhos mais relevantes do período em que assinava uma coluna no jornal.

Essa prática jornalística defendida por Andrey está cada vez mais distante do renascimento. Dois dias depois desta entrevista, houve o anúncio do Grupo NSC de que as edições impressas e diárias dos jornais Diário Catarinense, A Notícia e Jornal de Santa Catarina vão acabar. A proposta da empresa é ampliar o serviço digital.

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