Atrás do jornalismo cultural, com Emerson Gasperin

O jornalista Emerson Gasperin, segundo convidado da série de entrevistas Atrás do jornalismo cultural, lamenta o fato dos veículos de comunicação preservarem o horóscopo e cortarem a cultura. Ele atendeu o Falando Cinema no último dia 2 de setembro, em um bar da sempre movimentada Travessa Ratcliff, no Centro de Florianópolis. A conversa enveredou tanto pelas consequências de parte da imprensa menosprezar as coberturas culturais, quanto pela falta de interesse do público no assunto.

Emerson foi a última pessoa a assinar uma coluna fixa de música no jornal Diário Catarinense, intitulada Contracapa, a qual era publicada toda terça-feira. Graduado em jornalismo pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) no ano de 1993, ele também trabalhou como repórter de cultura no periódico O Estado de S. Paulo e na revista Bizz, chegando a ser editor dessa última. Além disso, escreveu dois livros (Reggae – Para Saber Mais e Almanaque do Futebol Catarinense), ambos encomendados pela Editora Abril.


Abertura de entrevista da banda Os Mutantes, por Emerson Gasperin. (Foto: Arquivo pessoal)

Enquanto editor da revista Bizz em 2006, Gasperin recebeu o Prêmio Abril de Jornalismo na categoria Perfil, graças a uma entrevista com a cantora Maria Rita. O jornalista também compartilhou comigo uma matéria de capa que considera um troféu pessoal, apesar de não ter rendido prêmio nenhum: uma entrevista com a banda Os Mutantes. "Primeira vez da maior banda brasileira de todos os tempos na capa da maior revista brasileira de música de todos os tempos", recordou e acrescentou que, para um jornalista brasileiro de música, entrevistar o Arnaldo Baptista equivale a um inglês entrevistar Paul McCartney e Syd Barrett ao mesmo tempo. No currículo dele ainda consta um furo nacional, publicado no caderno Nós do Diário Catarinense: uma reportagem sobre a mala com inéditos de Jorge Amado entregue à UFSC.

Abertura da matéria com Maria Rita. (Foto: Arquivo pessoal).

Antes de adentrarmos no problema em questão, Gasperin adiantou que não faz distinção entre as diferentes editorias do jornalismo. Isso porque ele acredita que a prática deve ser engrandecedora para o público independente do tema abordado, inclusive atendendo ao nobre papel de enriquecer o vocabulário dos leitores, por exemplo. Atualmente, apesar de não estar mais trabalhando na imprensa, o jornalista diz continuar escrevendo com o mesmo "tesão" da época na qual corria em busca de grandes reportagens ou entrevistas.

Para Emerson, uma das consequências provocadas pela carência de coberturas culturais nos veículos de comunicação é a formação de "uma massa de ignorantes sem nenhum senso crítico", bem como a contribuição com a "bugrada que está no poder". Gasperin observa no jornalismo cultural uma forma de ajudar as pessoas a conseguirem traquejos importantes para toda a vida; a fim de que não sejam "levadas no bico por qualquer um".


"Vivemos em uma realidade na qual nego (sic) quer queimar livros, tem ódio de universidade. Nego tem raiva de quem tem diploma universitário. São só indícios desse obscurantismo em que estamos vivendo, saca?", declarou o jornalista.

Pensamentos mágicos

Enquanto conversávamos, fomos interrompidos três vezes; primeiro por um morador em situação de rua; depois por um vendedor de brigadeiros; por último, um rapaz comercializando poesias escritas a mão. Isso acabou ocasionando o próximo tópico da entrevista. Questiono por que os veículos de comunicação em Santa Catarina não investem mais nos cadernos culturais, tendo em vista que Emerson considera a qualidade do suplemento crucial para os jornais sobreviverem – citando, aliás, o Ilustrada na Folha de S. Paulo como um dos pilares do projeto responsável por transformar o impresso em um dos maiores periódicos do Brasil nos anos 1980.

A resposta veio de imediato: "Acho que investir em qualquer coisa que vai melhorar o produto está completamente longe da realidade dos veículos no nosso estado". Logo depois, Gasperin compartilhou uma indagação, a qual reconhece como "os dois pensamentos mágicos" sustentados pela imprensa florianopolitana. O primeiro pensamento é lucrar com a audiência, sobretudo por meio do número de acessos nas páginas eletrônicas, fato que ele considera "uma bobagem", dado que o maior anunciante dessas empresas seria o Governo do Estado de Santa Catarina, que por sua vez não mensura a audiência no acordo. O segundo pensamento constitui-se na crença de que será possível alcançar o primeiro por intermédio de conteúdo ruim.

Nessa lógica, os critérios de noticiabilidade ficaram flexíveis. "O que vemos por aí, esses B.O.s (boletins de ocorrência) maquiados, é coisa que um robô poderia escrever", alertou o jornalista, referindo-se aos inúmeros textos que noticiam diariamente ações policiais ou acidentes de trânsito. "Um acionista poderia muito bem comprar (um robô) e mandar os jornalistas embora. Isso cabe ao jornalismo cultural também", f Emerson, dado que as coberturas culturais se encontram cada vez mais rasas operando com base em materiais compartilhados por assessorias de imprensa.

"As pessoas estão confundindo jornalismo com fábrica de notícias", resumiu.

Falta de interesse

No decorrer da entrevista, Gasperin bebeu um único copo de cerveja, aproximadamente 200ml. "Eu estou tomando um chope para não ficar muito enfadonho; eu nem bebo, tanto é que eu pedi este copo. Qualquer bebedor que se preze já estaria no terceiro", justificou o jornalista. Aproveito o momento em que ele puxa o celular do bolso para conferir o horário e pergunto se considera ferramentas como Spotify e Netflix, as quais possuem algoritmos avançados no que tange a interação e recomendação de produtos com os usuários, um agravante para a situação do jornalismo cultural nos dias de hoje.

Ouça o trecho da entrevista em que Emerson respondeu, comentando sobre a falta de sensibilidade dos algoritmos:


Nessa perspectiva, Gasperin defende o argumento de que todas essas transformações estão acontecendo devido a uma mudança na relação das pessoas com o consumo de produções artísticas, especificamente com a música. Para ele, se antes havia uma relação passional, hoje existe uma relação funcional. "(Hoje) A música tem que servir para alguma coisa, servir para pegar mulher, academia. Para mim, a música não precisa servir para nada. É um fim em si mesma. Eu só quero saber da música", explicou.

Indago Emerson sobre as possibilidades de utilizar as mídias digitais para fazer bom jornalismo cultural. Inquieto, ele replicou com uma questão um tanto quanto mais ampla: "Eu não sei se tem gente interessada nisso".

"Não digo isso por maldade ou ironia. Te juro, eu não sei se tem gente interessada nisso. Porque assim, o capitalismo não vacila. Se houvesse gente interessada nisso, já haveria gente ganhando dinheiro com isso", concluiu. 

Contudo, o jornalista afirmou que esse problema não o atormenta nem um pouco, pois é um "tiozinho com gosto formado". Ele acho que também não atormenta a filha de 17 anos, porque ela não concebe outro jeito de ser. "Para ela é inconcebível ler em outro lugar as coisas que deve escutar", complementou. 

A conversa é interrompida uma quarta e última vez quando o dono do bar em que estávamos, o Canto do Noel, chegou para cumprimentar o nosso entrevistado. Emerson apresenta o proprietário, Avarélio Kurossu, como um jornalista que "acordou, descobriu a vida e largou a cruz (profissão)". Terminando a discussão, ao mesmo tempo em que introduzia o colega no assunto, Gasperin fez uma comparação entre o problema tratado e a mais nova atividade de Avarélio: a produção de cervejas artesanais. "Porque assim, não adianta você (Kurossu) fazer a melhor cerveja do mundo se ninguém mais bebe cerveja", advertiu o jornalista, que atualmente está trabalhando na assessoria de imprensa do diretório estadual de um partido político – depois de mais de 20 anos de experiência no jornalismo cultural.    

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

No que toca I Walked With a Zombie (1943) e Tabu (1931)

Em frente, à vastidão

Gritos na trilha sonora