Joan Bennett, a “coisa embrulhada em celofane”

Por Christian Viviani.

Joan Bennett não foi uma estrela. Mas se podemos ler sua carreira como uma série de encontros perdidos com o verdadeiro sucesso público, ela foi, em certo sentido, mais do que uma simples estrela: uma epifania fulgurante, que o sucesso popular desprezou, mas que alguns dos maiores cineastas europeus de Hollywood conseguiram milagrosamente capturar em sua trajetória.

Nascida em 1910, estreando no cinema em 1928, Joan Bennett vem de uma família de atores. Seu pai é o célebre e excêntrico Richard Bennett, que Orson Welles transformou no patriarca Amberson. Suas irmãs são a brilhante e espirituosa Constance, a primeira heroína de Cukor, e a mais obscura Barbara. Joan surge a princípio como uma versão mais popular da sofisticada e mundana Constance: a mesma loira espumosa alisada com brilhantina, o mesmo perfil delicioso, a mesma silhueta impecável. No entanto, Joan não aposta na ostentação do figurino ou na alusão assassina. Sua aparência refinada, quase virginal, ela combina com uma naturalidade jovial e uma réplica direta e fácil, desprovida das conotações maliciosas tão caras a Constance. Ao vê-la ao lado de Spencer Tracy, ambos estupendos, no requintado Me and My Gal (1932) de Raoul Walsh, somos levados a pensar que Hollywood nunca soube realmente explorar um potencial notável. De fato, até 1938, ao longo de uma carreira acidentada ao sabor da falta de inspiração dos dirigentes dos estúdios, ela transitou de papéis principais (Me and My Gal) a papéis coadjuvantes (Mundos Íntimos, de Gregory La Cava), numa desorganização que beira o desperdício. Sabemos, por As Quatro Irmãs, de Cukor, ou por A Dança dos Ricos, de Garnett, que ela é uma atriz refinada, de timing muito seguro e gestual inspirado, mesmo que os papéis a tenham confinado em um registro ligeiro. Então, como explicar que a desperdicem em mocinhas insossas em Mississippi ou em Vogas de Nova York?

Parece que Joan Bennett privilegiava sua vida pessoal, mantendo uma inegável distância em relação à profissão, como demonstra seu proverbial hábito de tricotar entre as filmagens, com os óculos sob o nariz, longe do tumulto ao redor. No entanto, sua vida privada não foi nada tranquila. Casou-se pela primeira vez aos dezesseis anos; em segundas núpcias, uniu-se ao roteirista Gene Markey, de quem se divorciou, e depois ao produtor Walter Wanger. Em 1951, um escândalo pitoresco eclodiu: o ciumento Wanger surpreendeu Joan em uma conversa íntima com seu agente Jennings Lang e o acusou de estar próximo demais dela; atirou nele e acabou preso até 1953. Ao sair da prisão, Joan reconciliou-se com ele e tornou-se sua viúva em 1958. Teve ainda vários filhos e tornou-se, muito cedo, a mais jovem avó de Hollywood.

Seja por falta de entusiasmo da atriz ou por falta de inspiração de seus empregadores, foi preciso esperar até Os Segredos de um Don Juan, de Garnett, em 1938, para que sua imagem cinematográfica começasse a se definir. Nessa aventura policial, Fredric March é um detetive que persegue Joan Bennett através dos oceanos; para despistar, ao longo do caminho, a loira torna-se morena e adota um penteado de cabelos médios, ondulados, negros como asa de corvo, repartidos ao meio ou de lado e caindo em ondas até os ombros de alabastro. Já não se parece com Constance, mas ora lembra Myrna Loy, de quem compartilha o charme sereno, ora Hedy Lamarr, de quem herda o charme exótico. Curiosamente, Gene Markey, de quem ela se divorciaria em 1940, casaria sucessivamente com Hedy Lamarr e Myrna Loy... Joan Bennett levaria ainda três anos para superar essas comparações e finalmente encontrar um grande cineasta que lhe permitiria ser nada mais do que ela mesma.

Com a boina sobre um dos olhos, presa aos cabelos por uma flecha que aponta para o céu, e vestida com um trench-coat amarrotado, ela é desde o início inesquecível como prostituta patética em O Homem Que Quis Matar Hitler, de Fritz Lang, apesar de seu sotaque cockney bastante fantasioso. Após esse sucesso, a Fox, com a qual ela agora tem contrato, concede para ela os privilégios reservados às estrelas: mas, infelizmente, nem Wild Geese Calling, de John Brahm, nem Margin for Error, mesmo sendo de Preminger, conseguem aproveitá-la plenamente. Caberá a Fritz Lang aprofundar a imagem que a atriz e o cineasta criaram tão bem. A Mulher na Janela e Almas Perversas são praticamente variações de sua personagem em O Homem Que Quis Matar Hitler. A Mulher na Janela a coloca entre a escuridão e o sonho, à beira do pesadelo, revelando seu caráter fatal: sua feminilidade perturbadora é exaltada pelo loiro e magro Dan Duryea e pelo maduro e barrigudo Edward G. Robinson, que se agitam ao seu redor como em estado de pânico. Almas Perversas, remake de A Cadela, de Renoir, representa o último passo na escuridão: “Lazy Legs” (pernas preguiçosas) é uma criatura de coração seco, afiada como o pico de gelo que Edward G. Robinson lhe cravará no coração. Dan Duryea pode soprar fumaça em seu rosto, mas Edward G. Robinson pinta amorosamente os dedos dos pés dela. Lang acentua a sedução onírica da personagem, cristalizando a fascinação que ela exerce sobre um retrato, que desempenha papel determinante nos dois filmes. O cineasta transforma Joan Bennett em ícone, rodeando-a com texturas e materiais que a exaltam: a renda preta que adere ao seu busto e se afasta para deixar escapar uma perna imaculada, o plástico transparente do impermeável do cellophaned thing de Almas Perversas, não falta mais nada para criar a magia. A elegância gestual de Joan Bennett encontrou o gênio de um cineasta para quem o gesto correto frequentemente funciona como direção de ator.

Embora tenha um papel de ingênua inesperado, ela é igualmente fascinante, já em sua maturidade, em O Segredo da Porta Fechada, intriga à la Rebecca, que o estilo de Lang inclina para a meditação filosófica, em vez de para o conto de fadas negro hitchcockiano. Esta seria a última atuação de Joan Bennett para Fritz Lang. Mas ela continuou com o muito langiano A Mulher Desejada, de Jean Renoir: de calças, caminhando pela areia com passos largos, casada com um escritor cego¹ e estranhamente oposta a uma máquina de escrever, ficou mais uma vez gravada na memória. Então, no espaço de um ano, ela passa repentinamente de papéis de jovem mulher para os de mãe de família, um papel que praticamente nunca mais abandonaria. Em Na Teia do Destino, de Max Ophüls, ela encontra seu melhor papel como atriz: mãe de família comovida e comovente, ligada por um amor sem esperança a um chantagista romântico.

Desde então, sua semelhança com Hedy Lamarr se apagava e a com Myrna Loy passou a predominar. Metro-Goldwyn-Mayer, que parecia ter dificuldade em se recuperar da saída da parceira habitual de William Powell, confiou-lhe um papel que parecia ter sido concebido para Myrna Loy: a esposa apaziguadora de Spencer Tracy no díptico O Pai da Noiva/O Netinho do Papai, de Vincente Minnelli. Ela cumpriu seu trabalho como a competente atriz que nunca deixou de ser, mas sem aquele fulgor sombrio que, num espaço de poucos filmes, havia elevado tão alto sua imagem no imaginário cinematográfico. Somente Douglas Sirk soube sombrear seu caráter de mãe de família perfeita com nuances melancólicas e trágicas no excelente There’s Always Tomorrow. Ela fez, em seguida, um pouco de televisão, um pouco de teatro, um pouco de cinema. Vimo-la, já envelhecida, os cabelos eternamente corvinais presos em um coque supostamente assustador em House of Dark Shadows, de Dan Curtis, e em Suspiria, de Dario Argento.

Mas, para quem ama o cinema, ela continuará sendo a criatura de trench-coat, cujos saltos martelavam o pavimento londrino, aquela de cachos e rendas pretas, languidamente reclinada em uma cama, ou aquela "embrulhada em celofane" que ainda percorre Almas Perversas².

Notas da tradução:

[1] No filme, a personagem de Joan Bennett é casada com um pintor cego, e não com um escritor, como menciona o autor.

[2] O título do filme em francês é La Rue Rouge, que significa “Rua Vermelha”. Trata-se de uma tradução quase literal do título original, Scarlet Street.

Joan Bennett, la « chose enrobée de cellophane » foi publicado na revista Positif nº365/366, julho/agosto de 1991, pp.145-147. Tradução: Ezequiel Antônio da Silva Stroisch. 

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