Notas sobre Twin Peaks: The Return

 

A incandescente destruição

Twin Peaks: The Return, ep. 8, 2017

Por Philippe Fauvel.

Uma explosão atômica, o efeito corona de um campo elétrico, fluxos e chiados aliados à intensidade da música de Krzysztof Penderecki, Trenodia às Vítimas de Hiroshima. Em 16 de julho de 1945, no parque White Sands, em Novo México, ocorreu um teste de explosão nuclear. Nós avançamos sobre o cogumelo atômico, o penetramos. O casamento Penderecki-Lynch é aterrorizante, absolutamente trágico. Surge então um feixe de estilhaços em preto e branco, a imagem e o som ressoam mutuamente: as notas sustentadas, seus estridentes e os agudos de todas as cordas riscam a tela. Como gritos num desenho, como arranhões sonoros. Um fundo de grafite insondável e essas nitescências em negativo, e toda a dor do mundo que devasta a alma. Os seres maléficos com rostos carbonizados que povoam a terceira temporada, essas pequenas mãozinhas de lenhadores que se intrometem e fazem o trabalho sujo, explodem crânios ou mancham o corpo do doppelgänger de Cooper para ressuscitá-lo, transmitem uma mensagem enigmática pelas ondas de rádio no final do episódio 8: “The horse is the white of the eyes dark within” (o cavalo é o branco dos olhos, escuro por dentro). Tudo está nessa imagem abstrata: a incandescência louca, em preto e branco — os dois extremos da escala de luminosidade —, que nos faz mergulhar definitivamente no horror. O bombardeio ocorrerá em Hiroshima, no dia 6 de agosto.

Pulsão sobre quatro rodas

Twin Peaks: The Return, ep. 3, 2017

Por Fernando Ganzo.

Dougie (Kyle MacLachlan) afasta-se de sua casa em um 4x4 amarelo conduzido por uma jovem mulher. Quando parece que haverá uma mudança de cena, um carro com o qual eles acabaram de cruzar se aproxima da câmera, a qual faz uma panorâmica para trás até que esse Corvette grená com listras brancas pare suavemente em frente à casa que acabamos de deixar. O motorista comunica-se por walkie-talkie com outro carro, totalmente preto, estacionado algumas ruas adiante, de forma muito mais abrupta. À essa altura, há apenas dois episódios desde que Twin Peaks retornou, após vinte e cinco anos: ainda não sabemos em que pé estamos. Apesar de algumas cenas delirantes e impressionantes (incluindo a anterior: a reencarnação do agente Cooper no corpo de Dougie através de uma tomada elétrica), foi a chegada desse carro anônimo que me fez perceber o que nos esperava. Não passa de um carro. Certamente, ele contrasta com o imaginário violento que veicula nesta América suburbana ensolarada e pacífica, mas Breaking Bad já havia esgarçado esse imaginário. É mais do que isso, é algo que toca a própria essência do cinema e da arte de Lynch, sua mística do concreto: a maneira como a beleza material atinge uma zona profunda da retina se concretiza no efeito hipnótico desse carro perfeito, na sua imobilidade em seu cromatismo dominante. Será também a forma como o enquadramento, aliás bastante clássico, lembra o quadro Marin Avenue- Late Afternoon, de Robert Bechtle?

L'incandescente destruction e Pulsion sur quatre roues foram originalmente publicadas na revista Cahiers du Cinéma, nº 817, fevereiro de 2025. Tradução: Ezequiel Antônio da Silva Stroisch.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Cineclube Sganzerla apresenta: Quem te fala é uma morta

Cineclube Sganzerla apresenta: Cinema. Trabalho.

Pelo fim do faroeste revisionista