Galante e Sanguinário (1957) | Contas que passamos uma vida fazendo

 O ano é 1957 e a Columbia Pictures, que começou a década lançando 20 faroestes antes de reduzir a produção para pouco mais de 10, entregou oito westerns neste ano. Um desses filmes recebeu o título no Brasil de Galante e Sanguinário (1957). O longa-metragem é o sexto dos nove do gênero cinematográfico em questão dirigido por Delmer Daves. Feito o preâmbulo, vamos ao que interessa.

Como vimos, nesta altura do campeonato não se trata mais apenas dos conflitos basilares dos faroestes, mas também do acúmulo e da dialética deles todos. Não parece haver espaço para o essencial na medida em que é preciso confrontar a crise ocasionada – uma das primeiras enfrentadas pelos westerns no cinema – ou o estado imposto por uma espécie de sensação de esgotamento ou mesmo falência do gênero.


Já é tarde demais para escoltar a diligência até a próxima parada. Os conflitos com os nativos foram resolvidos e ficaram no passado às custas de bravas mães de famílias colonizadoras, como por exemplo a mencionada no início do filme aqui abordado. Há pouco ou quase nenhum gado para ser manejado. Foi-se o ouro e a chuva.


Mais do que partir desse contexto desolador do Oeste Norte-Americano no cinema, Galante e Sanguinário examina alguns dilemas éticos e morais dos homens e das mulheres que habitam o universo mitológico dos faroestes. Questões como o dever, a honra e o desejo são suscitadas no decorrer de uma jornada que tem como objetivo preservar ou resgatar a esperança do cenário.


Teria maneira melhor de ilustrar tal empreitada do que encenar a missão de embarcar um assassino ainda com vida no trem com destino à prisão? O caminho responde a pergunta, pois diversos são os sedutores atalhos oferecidos para Dan Evans e seus pares, sendo alvejar em Ben Wade o mais curto deles. Contudo, sanar a sede de vingança iria decretar de uma vez por todas a impossibilidade de restabelecer a ordem.


Pois bem, então, levemos o criminoso à Justiça dos homens diante dos olhos de Deus e da natureza. Embarcaremos o “galante sanguinário” no trem, símbolo máximo do avanço civilizatório nessa terra de ninguém, pois confiamos que a esperança pode mudar as coisas para melhor, assim como que a chuva ainda pode voltar a cair.

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O ritmo colocado pela direção de Delmer Daves é marcado pela contagem de horas para a chegada do trem; de quantos homens serão necessários para conter o bando de Wade; de quanto dinheiro será preciso para salvar a fazenda de gado da família Evans; de quantos meses faltam para chover; por fim, de quantos feet’s separam o fazendeiro e o bandido.



É uma dinâmica um tanto quanto nervosa. A cadência das cenas trata de elevar a tensão e, na medida em que somos envolvidos pelo enredo e submergidos pela narrativa, os espaços de ação diminuem – os momentos dentro do quarto do hotel que antecedem a chegada do trem são eternos.


A respeito da cinematografia em preto e branco, sejam as tomadas das amplas arenas e campinas ou dos interiores, tudo é cortado por um jogo de luz e sombra que cuida de cercar as personagens no trajeto que elas percorrem. Simplesmente aqui não há razão para as cores existirem.


Os protagonistas são iluminados de modos distintos, ressaltando os seus confrontos inter e intrapessoais: o bem e o mal; a civilização e a barbárie; a família e a promiscuidade; a tentação por si; entre outros.


A face do Glenn Ford é capturada pela luz a fim de sobressaltar um sorriso bonachão capaz de disfarçar toda maldade e malícia. Os olhos do intérprete, por outro lado, abrem uma janela de possibilidades; um fundo de bondade ou predisposição a redenção. Isso sem falar na expressão corporal, quando algemado, manuseando o chapéu.


O Van Heflin surge sempre envolto em sombras. O rosto enrugado, os olhos esbugalhados e a grande testa dão a impressão de que a cabeça explodirá a qualquer momento. Suando ele é a representação máxima das micro e macro tensões desenvolvidas: lidar com as propostas tentadoras; com a frustração iminente da vida que leva; com o dever autoimposto


Paixão


Há também muita paixão, quem sabe mais no sentido cristão do que romântico do termo. Um otimismo que pode, sim, beirar a loucura aos olhos dos outros – da esposa e, em última instância, de nós espectadores. Uma fé no caminho acima mencionado. Quase como um mártir, ele entrega-se ao encargo. Evans salta. Talvez esperando mais morrer do que despertar.


Mal sabia que, conforme escreveu Neil Gaiman, às vezes quando caímos é que descobrimos que podemos voar – ou, nesse caso, fazer chover.

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