A Noite Americana (1973) – Auto-exposição e emotividade

O longa-metragem A Noite Americana (1973), de François Truffaut, apresenta um comentário auto-expositivo acerca do fazer cinema. A obra será exibida no Cineclube da Fundação Cultural Badesc, em Florianópolis, nesta quinta-feira (5). O escritor Willian Schütz mediará a sessão, a qual faz parte da mostra intitulada "o filme que eu gostaria de ter feito", prevista para começar às 19h.

(Imagem: Reprodução)

A trama do longa-metragem gira em torno da produção de um filme chamado "Apresentando Pamela", mais especificamente, a narrativa acompanha as interações dos profissionais envolvidos nessa produção. O personagem central do enredo é o diretor Ferrand (interpretado pelo próprio Truffaut), o qual está tentando terminar o filme enquanto lida com os mais diversos impasses técnicos e pessoais, ocasionados por colegas das mais diferentes personalidades.

Existem incontáveis exemplos de obras que abordam os bastidores do cinema. Para ficarmos com um exemplo lançado aproximadamente 10 anos antes do filme de François Truffaut, citamos O Desprezo (1963), de Jean-Luc Godard. Poderíamos lembrar de muitos outros diretores renomados que ocuparam-se de atender essa mesma vontade de refletir acerca do fazer cinema por intermédio do próprio cinema (Assayas, Carpenter, Fellini, entre outros). Contudo, vamos direto ao ponto: o que destaca A Noite Americana dos demais filmes empenhados com essa proposta? Hoje, o redator que aqui escreve, responderia que é o caráter auto-expositivo da reflexão de Truffaut.

(Imagem: Reprodução)

Notório entusiasta do cinema hollywoodiano clássico, François Truffaut expõe logo no começo do longa-metragem o que poderia muito bem ser para ele a tônica definitiva por trás de toda e qualquer produção. O diretor expressa isso através da seguinte narração do personagem Ferrand: "Fazer um filme é como uma viagem de carroça pelo Velho Oeste. Você começa rezando por uma viagem tranquila. Depois, quer chegar logo". Essa simples associação entre um gênero cinematográfico consolidado pela indústria estadunidense e o complicado processo de fazer cinema evidencia mais da natureza de Truffaut – o fato dele ser um cineasta demasiadamente apaixonado pelo meio – do que acrescenta elementos substanciais para a discussão.

Posteriormente, uma outra narração do personagem parece revelar ainda mais da compreensão do diretor a respeito da realização de um filme. Nessa passagem, conformado, Ferrand-Truffaut compartilha: "Antes de começar, esperava que o filme ficasse bom. Quando os problemas começaram, diminuíram as esperanças. Agora só espero poder terminar o filme". Com isso, realidade e ficção acabam se misturando, uma vez que nós, espectadores, inevitavelmente tendemos a questionar se estamos ouvindo as queixas do protagonista ou do próprio cineasta.

(Imagem: Reprodução)

É importante ressaltar que essa narrativa tão pessoal de A Noite Americana, considerada por muitos como uma "carta de amor ao cinema", passa longe da pieguice que tal síntese pode sugerir. Isso porque a constelação de personagens em volta de Ferrand-Truffaut compõem um cosmo caótico capaz de divertir e comover o espectador ao mesmo tempo. Além disso, essas figuras justificam todas as ponderações do protagonista-cineasta, na medida em que as intrigas em redor da produção do filme "Apresentando Pamela" são construídas.

Será atendendo aos multifacetados personagens da trama que François Truffaut também escapará da mera reflexão – ainda que curiosamente auto-expositiva –, alcançando uma emotividade muito particular. Afinal de contas, se a sequência na qual Severine precisa repetir uma cena várias vezes arrasta o espectador para dentro das filmagens. A sequência em que aguardamos um gato beber o leite é capaz de fazer a gente esquecer que está assistindo um filme sobre outro.

Comentários

  1. Olá, tudo bem?

    Gostei muito do conteúdo da postagem. Tu analisas muito bem, em poucos parágrafos, uma obra que têm muitas camadas e nuances. Parabéns.

    Eu conheci o blog através desta publicação, na verdade.

    Estou montando um blog também e escrevi uma matéria sobre o filme, mas não é factual: https://portalclg.wordpress.com/2019/09/06/uma-declaracao-de-amor-a-noite-americana-e-a-cinefilia-de-francois-truffaut/ - eu sou o escritor Willian Schütz, quem mediou a sessão na Fundação Cultural Badesc. Uma parceria seria bacana, para fortalecer o Jornalismo Cultural, não é mesmo? Muito obrigado pelo destaque.

    Também fiz a clipagem do seu conteúdo, para o relatório da Fundação Cultural Badesc.

    Novamente desejo-lhe parabéns pelo blog. Se precisares de alguma informação relacionada ao cineclube da Fundação Cultural Badesc, estarei disponível.

    Um abraço.

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  2. Muito obrigado pelo comentário, Willian. Vou acompanhar as publicações do seu blog a partir de agora. Aliás, caso tenhas Facebook, te convido a curtir a página do Falando Cinema (facebook.com/FalandoCinema) para ficar por dentro das novidades. Podemos conversar sobre futuras parcerias, sim. Mais uma vez, agradeço pelo retorno. Abraço!

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