Crítica: Logan (2017)


Colecionei quadrinhos de super-heróis durante alguns anos, mas parei com o hobbie. Apesar disso, ainda nutro um enorme carinho pelas adaptações cinematográficas dessas histórias. Gostei bastante de Logan, novo filme do diretor James Mangold e, provavelmente, o último de Hugh Jackman no papel do personagem Wolverine. É uma obra que refresca o gênero e renova a nossa esperança como espectadores.
Diferente dos outros filmes da franquia, não vemos heróis em ação, acompanhamos a jornada de um homem fisicamente e emocionalmente destruído. Por isso, o título Logan encaixa perfeitamente nesse projeto. O personagem, até então imbatível, luta para sobreviver em um mundo onde mutantes são perseguidos. Escondido no deserto, em um depósito abandonado, ele conta com o auxílio de Caliban (Stephen Merchant) para cuidar do debilitado Charles Xavier (Patrick Stewart), antigo líder do grupo X-Men.
Quando Logan conhece Laura (Dafne Keen), criança mutante e fugitiva de um laboratório sinistro, a história percorre caminhos perigosos. Afinal, ela está sendo caçada por Donald Price (Boyd Holdbrook), capanga do odioso Dr. Zander Rice (Richard Grant). A princípio, o herói aposentado reluta em ajudá-la, porém, aos poucos começa a identificar-se com a menina e decide encarar a missão de protegê-la.
Inicia-se a jornada em busca de um lugar seguro, onde a esperança da raça mutante poderá respirar com tranquilidade. Nesse road movie, o roteiro consegue equilibrar ação e emoção com personalidade. Em certos momentos, por exemplo, podemos lembrar de Mad Max: Estrada da Fúria e em outros de Pequena Miss Sunshine. Ademais, é um trabalho que constrói a relação entre os personagens com cuidado, não apressando as coisas. O texto conta, sem dúvidas, com toda bagagem afetiva que guardamos das figuras de Logan e Xavier. No entanto, ele consegue desenvolver novas camadas na personalidade deles, afinal, os dois estão mais velhos e sobrevivem ao caótico ano de 2024.
A trama é ambientada nesse futuro não tão distante, onde a espécie mutante beira a extinção. Gostei bastante do universo desesperançoso, opressor e árido criado por James Mangold. O diretor tem o carinho de apresentar o cenário aos poucos para nós. Somos convidados a conhecer, de forma vagarosa, os elementos que compõem aquele triste futuro. Por exemplo, logo na primeira cena, Logan passa um perrengue para derrubar alguns delinquentes, assim, James ilustra as fragilidades do personagem. Em seguida conheceremos Caliban que, mesmo vivendo no deserto, não pode pegar sol. Xavier vive dopado, para manter sobre controle a mente mais poderosa do planeta Terra. Enfim, depois veremos carros-robôs nas estradas, quadrinhos dos  X-Men, entre outras coisas que enriquecem esse cosmo.
Além disso, Mangold propõe uma estética fiel aos quadrinhos, o que é ótimo. Temos violência estilizada na medida certa, apenas o necessário para servir a narrativa de forma coerente. A cinematográfica sombria reforça a principal característica do filme, a carga dramática, sentida quase que de imediato. Tecnicamente falando é tudo muito bem feito. As sequências de ação são bem montadas, conseguimos compreender a movimentação das personagens e dos elementos na cena com clareza. Destaco a passagem de abertura, iluminada em neon, onde Logan enfrenta os ladrões. Por mais que seja “lenta”, ela é bem ritmada. Outro destaque, que contrasta com o primeiro, é a frenética perseguição de carros, momento em que Logan foge do depósito no deserto.

O roteiro de Logan é uma felicidade, me surpreendeu legal. A parte técnica é o mínimo que esperávamos de uma produção milionária como essa. O mais importante desse filme, na minha opinião, são os atores. Hugh Jackman e Patrick Stewart entregam performances comoventes e deixam transparecer os mais profundos sentimentos daqueles personagens. Sentimentos esses, que são aflorados pela inerente sensação de que o fim está próximo.

A novata Dafne Keen é impressionante, tem potencial para construir uma carreira de sucesso no cinema. Aqui, apesar da baixa estatura, ela está gigantesca em cena. Não consigo imaginar outra criança capaz de compor uma personagem tão ambígua quanto essa X-23. Dafne transmite no olhar toda desconfiança e hostilidade de Laura, ao mesmo tempo em que simboliza a fé da classe mutante.

Por falar em olhares, Logan pode estar quebrado fisicamente, mas é por meio do olhar que perceberemos sua ruína. Ao longo do filme o homem manca de um lado para outro, com olhos avermelhados e cicatrizes no corpo que não regeneram mais. De forma semelhante, cicatrizes de um doloroso passado estão eternizadas na personalidade dele. O herói tornou-se um bruto, que esqueceu a importância de relaxar, sorrir e amar. Entretanto, esses afetos preciosos não desapareceram por completo, apenas encontram-se adormecidos no interior dele. É tocante ver os sentimentos acordarem no personagem, mérito de um belíssimo desempenho do ator.

Contudo, Hugh Jackman está a flor da pele, atua com primor e encerra bonita participação na franquia. Logan ficará lembrado nesta quilométrica saga cinematográfica dos mutantes como algo muito, muito positivo.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Em frente, à vastidão

No que toca I Walked With a Zombie (1943) e Tabu (1931)

As estátuas também morrem: Bullfighter and the Lady de Budd Boetticher