Cineclube Sganzerla apresenta: Cinema. Trabalho.

 
Vídeo por Marcos Carvalho.

O Cineclube Sganzerla apresentará entre os dias 9 e 23 de março um ciclo de filmes a propósito da relação entre o cinema e o trabalho. A programação, intitulada Cinema. Trabalho., coloca em perspectiva obras de cineastas como John Ford, Peter Nestler, Vittorio De Seta, Pedro Costa,  Jean-Marie Straub e Danièle Huillet. Os encontros virtuais serão realizados via Google Meet nos domingos dias 9 e 23, a partir das 16h. Clique aqui e inscreva-se para participar.

Leia abaixo o texto de apresentação da curadoria:

Cinema. Trabalho.

Por Ezequiel Silva.

Da saída um tanto quanto mecânica dos operários da fábrica Lumière, registrada pelo cinematógrafo dos pioneiros Auguste e Louis, passando pelas greves e pelos motins arquitetados por Eisenstein, os quais transformaram a práxis cinematográfica soviética em uma verdadeira escola de montagem, chegaríamos à conclusão de que o trabalho sempre animou o cinema? Não poderia ser diferente, tratando-se da expressão artística que, sem demora, descobriu-se uma indústria. Poderíamos dizer que foi no sétimo dia que a sétima arte se viu assim. Levou ainda menos tempo para que a mão de obra responsável por fazer esse maquinário girar se tornasse a matéria-prima por ele refinada.

As jornadas das trabalhadoras e dos trabalhadores ao redor do mundo foram tomadas como alguns dos principais motivos das narrativas românticas encenadas e, posteriormente, projetadas nas grandes telas. De modo que, por vezes, as cômicas desventuras experimentadas por Carlitos ou pelas screwball girls das décadas douradas fizeram com que os vínculos dos ofícios e dos expedientes estabelecidos por trás do espetáculo passassem despercebidos. A fim de que jamais nos esqueçamos das relações trabalhistas, as quais invariavelmente dizem respeito às relações de classe, quando entrarmos novamente em uma sala escura, traçaremos, a seguir, uma breve genealogia de filmes capazes de iluminar parte da questão acerca do trabalho no cinema.

O ciclo Cinema. Trabalho. abre a programação do Cineclube Sganzerla em 2025 com As Vinhas da Ira, de John Ford, propondo um significativo salto temporal na história até então esboçada. Para além dos valores impressos por filmes como esse, os quais “nos ensinam a ser cidadãos”, nas palavras de Jean-Marie Straub – o qual abordaremos em breve –, questionamos: como pode uma obra de viés diametralmente oposto aos ideais do sistema que a financiou, eu diria, desabrochar no seio da predatória indústria estadunidense? São potenciais contradições como essas que nos fazem começar justamente pelo cinema do país que viu nascer Hollywood e que acaba de reeleger um palhaço empresário à presidência.

A programação continua com uma sessão de curtas-metragens rodados em extremos opostos da Europa. Em Rheinstorm, o cineasta Peter Nestler navega ao longo do Reno, um dos principais gargalos econômicos da Alemanha – à época dividida. O documentário escapa da demagogia prevista para esse tipo de produção ao ater-se às margens do curso d’água, mais especificamente às pessoas que lá habitam. A força de trabalho de homens e mulheres, a despeito dos problemas econômicos ou políticos que enfrentam, também é o que parece encantar Vittorio De Seta em Parabola d’oro, no qual dispensa a narração diante das cores vibrantes do trabalho junto às colheitas na Sicília.

Com Sicilia!, de Straub e Danièle Huillet, ilustramos o percurso proposto por essa seleção de filmes na figura do protagonista, o filho, que retorna à Sicília para visitar a mãe após ter vivido – e trabalhado – os últimos anos em Nova Iorque. A vida operária tira-nos do campo, da família e da tradição, lançando-nos aos grandes centros urbanos, aos chãos de fábricas e aos subempregos. Mais do que a reconexão do personagem com o passado e a natureza – natureza essa que também é humana –, a obra de Straub e Huillet desperta-nos para o presente e, quiçá, prepara-nos para um futuro.

Desenvolvemos, por fim, ao programar Onde Jaz o Teu Sorriso?, de maneira um pouco mais explícita, a ideia do cinema enquanto construto coletivo. Sendo o filme um resultado alcançado pelo trabalho de muitas mãos – mesmo quando são necessárias, para tanto, tão somente dois pares delas. O filme, dirigido e fotografado por Pedro Costa, gira em torno da montagem de Sicilia!, a qual ocorre em uma minúscula e sombria sala. Quem sabe venha a contradizer o entendimento acima disposto, principalmente se considerarmos o quão enxutas são as equipes de filmagem dos projetos tocados por esses cineastas. Mas aqui não há o que temer: a contradição está na gênese do programa, que se apoia muito mais na abstração do que na busca de definições absolutas.

Ainda há muito o que ser colocado e revisto face às questões suscitadas pelos filmes trazidos à baila. Os títulos selecionados, especialmente aqueles que encerram o ciclo, revelam métodos de produção que podem salvar o que há de mais precioso na arte em tempos de cultura enlatada – para não repetir o chavão “cultura sucateada”. Uma vez que as relações do cinema com o trabalho e do trabalho com o cinema são evidenciadas sobremaneira por esses distintos longas e curtas-metragens, lembramos, portanto, que falar sobre toda e qualquer relação de trabalho também é falar sobre a nossa sobrevivência. Mãos à obra.

Programação:

09/03/2025 – Conversa sobre As Vinhas da Ira (The Grapes of Wrath, John Ford, 1940), Rheinstorm (Peter Nestler, 1966) e Parabola d’oro (Vittorio De Seta, 1955).

23/03/2025 – Conversa sobre Sicilia! (Jean-Marie Straub e Danièle Huillet, 1999) e Onde Jaz o Teu Sorriso? (Pedro Costa, 2001).

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